Evangelho da Prosperidade sob inspeção

Deus e riquezas: investigação do Senado americano procura saber o que há no evangelho da prosperidade dos televangelistas.

A mensagem reluzia na sala de estar de Cindy Fleenor a cada noite: Seja fiel no modo como você vive e no dinheiro que você dá, diziam os pregadores de TV, e Deus lhe dará chuvas de riquezas materiais.

Foi assim que a contabilista de 53 anos da cidade de Tampa, Flórida, se comprometeu a dar anualmente 500 dólares para Joyce Meyer, a evangelista cuja pregação franca sobre sua recuperação do abuso sexual na infância é cheia de inspiração. Ela preencheu cheques para o evangelista exibicionista Benny Hinn e uma pregadora local bem popular, Paula White.

Só que as bênçãos não vieram. Fleenor acabou pedindo dinheiro emprestado de amigos e empresas de empréstimo só para comprar comida. No início, ela cria na explicação que era dada na televisão: A fé dela não era forte o suficiente.

“Eu queria crer que Deus queria fazer algo grande comigo, do jeito que ele estava fazendo com eles”, disse ela. “Estou revoltada e amargurada com isso. Hoje, praticamente não vejo ninguém mais na TV”.

Todos os três grupos que Fleenor sustentava com ofertas estão entre os seis grandes ministérios evangélicos de televisão sob inspeção de um senador que está fazendo perguntas sobre os gastos extravagantes dos evangelistas e possíveis abusos da condição deles de isentos do imposto de renda.

A investigação do Senador Charles Grassley de Iowa, o mais importante republicano no Comitê de Finanças do Senado, trouxe nova inspeção na convicção fundamental que gera milhões de dólares e enche igrejas de Atlanta a Los Angeles: o “Evangelho da Prosperidade”, ou a noção de que Deus quer abençoar com riquezas terrenas os que são fiéis.

Todos os seis ministérios sob investigação pregam o evangelho da prosperidade em graus variados.

Os proponentes chamam-no de uma mensagem de esperança biblicamente sã. Outros dizem que é uma distorção que enrique os evangelistas e rouba pessoas vulneráveis. Eles dizem que o evangelho da prosperidade se desenvolveu de uma mentalidade “é totalmente certo fazer dinheiro” para “é certo o pastor andar de carro de luxo, viver em mansão à beira da praia e viajar de jatinho particular”.

“Mais e mais pessoas estão desesperadas e querem se agarrar a qualquer coisa que aliviará seu sofrimento ou crise financeira”, disse Michael Palmer, reitor da Faculdade de Teologia da Universidade Regent, fundada por Pat Robertson. “É um problema crescente”.

O movimento moderno de prosperidade tem origem, em grande parte, nos ensinos do evangelista Oral Roberts. Os discípulos de Roberts têm espalhado sua teologia e vocabulário (Roberts e outros evangelistas, tais como Meyer, chamam seus doadores de “parceiros”). E vários pregadores populares de prosperidade, inclusive alguns que estão agora sob investigação, trabalharam na administração da Universidade Oral Roberts.

Grassley está solicitando dos ministérios registros financeiros sobre salários, gastos, jatinhos particulares e outras vantagens financeiras. A investigação — junto com um escândalo financeiro na Universidade Oral Roberts que obrigou o filho e herdeiro de Roberts, Richard, a renunciar — está levando as pessoas a cogitarem se o evangelho da prosperidade está enfrentando sua hora de prestar contas.

Embora poucos esperem que o movimento desapareça, a inspeção poderia forçar maior transparência e vigilância financeira num movimento conhecido por guardar segredos.

A maioria dos estudiosos traça as origens da teologia da prosperidade a E.W. Kenyon, um evangelista e pastor da primeira metade do século 20.

Mas foi só depois da 2ª Guerra Mundial e depois do aparecimento de dois evangelistas de Tulsa, Oklahoma, que a teologia da “saúde e da riqueza” se tornou competitiva em igrejas pentecostais e carismáticas.

Oral Roberts e Kenneth Hagin e mais tarde Kenneth Copeland treinaram dezenas de milhares de evangelistas com uma mensagem que reverberava numa classe média emergente, disse David Edwin Harrell Jr., biógrafo de Roberts. Copeland está entre aqueles que estão sendo agora investigados.

“O que Oral fez foi desenvolver uma teologia que dava aprovação para a prosperidade”, disse Harrell. “Ele permite que os pentecostais sejam fiéis às antigas verdades que seus avós abraçavam e serem parte do mundo moderno, onde eles poderiam ter bons empregos e fazer dinheiro”.

Os ensinos assumiram vários nomes: reivindicação, “palavra de fé” e evangelho da prosperidade.

Os pregadores da prosperidade dizem que não é tudo sobre dinheiro, que as bênçãos de Deus se estendem à saúde, relacionamentos e bem-estar suficientes para ajudar os outros.

Eles têm versículos da Bíblia na ponta da língua para defenderem suas posições. Um dos versículos muitas vezes citados, na Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios, diz: “Ele se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos”.

Os críticos reconhecem que a idéia de que Deus quer abençoar seus seguidores tem base bíblica, mas dizem que os pregadores de prosperidade usam os versículos fora de contexto. Os adeptos da prosperidade também não conseguem reconhecer os relatos bíblicos que mostram que Deus nem sempre recompensa os crentes fiéis, disse Palmer.

O Livro de Jó é um caso de religiosidade não recompensada, e um capítulo no Livro de Hebreus inclui uma longa descrição de crentes que foram torturados e martirizados, disse Palmer.

Contudo, o evangelho da prosperidade continua a atrair multidões, principalmente pessoas da classe média e baixa que, dizem os críticos, têm a motivação maior e que mais têm a perder. A mensagem de prosperidade está se espalhando em igrejas negras, atraindo idosos com rendas descartáveis, e alcançando igrejas imensas na África e outras partes do mundo em desenvolvimento.

Uma das atrações do ensino é que não se importa com os temas cristãos tradicionais de céu e inferno, mas em dar respostas a preocupações urgentes do aqui e agora, disse Brian McLaren, um escritor e pastor evangélico liberal.

Mas o evangelho da prosperidade, McLaren declarou, não só rouba a esperança das pessoas vulneráveis, mas também coloca ênfase exagerada no sucesso e felicidade individual.

“Temos ignorado muito o que a Bíblia diz acerca de injustiça geral”, ele disse.

As políticas de limitações e inspeções que são fundamentais em denominações cristãs são em grande parte inexistentes em igrejas da prosperidade. Um dos pastores sendo investigado pelo Senador Grassley é o Bispo Eddie Long, de Atlanta. O bispo escreveu que Deus o orientou a se livrar da “ímpia estrutural ministerial” do conselho de diáconos.

Alguns pastores exibem suas próprias riquezas como prova de que seu ensino funciona. O Pr. Creflo Dollar, de Atlanta, que está lutando contra a investigação de Grassley, possui um Rolls Royce, tem casas de milhões de dólares e viaja num jatinho de sua igreja.

Numa carta para Grassley, o advogado de Dollar chama o evangelho da prosperidade de uma “convicção profundamente religiosa” baseada na Bíblia. Portanto, segundo ele, é liberdade religiosa protegida. Grassley disse que sua investigação não lida com teologia.

Mas até mesmo alguns críticos do evangelho da prosperidade, como o Rev. Adam Hamilton, da Igreja Metodista Unida da Ressurreição na Cidade de Kansas, Missouri, diz que a investigação está entrando num campo minado. Hamilton tem uma igreja de 15.000 membros.

“Como é que dá para decidir quanto dinheiro um pastor assim pode fazer quando sua teologia básica é que é certo ter riquezas?” disse Hamilton, que se formou na Universidade Oral Roberts, mas depois deixou o movimento carismático. “Isso entra em questões teológicas”.

Há evidência de mudança. Os Ministérios Joyce Meyer decidiram executar reformas financeiras em anos recentes, inclusive divulgar ao público declarações financeiras devidamente aprovadas em auditoria.

Meyer, que prometeu cooperar totalmente com o Senador Grassley, divulgou uma declaração frisando que um evangelho de prosperidade que “exclusivamente iguale bênção com ganho financeiro sofre de desequilíbrio e pode prejudicar a caminhada de uma pessoa com Deus”.

Título original: ‘Gospel of Wealth’ Facing Scrutiny

Traduzido e adaptado por Julio Severo: www.juliosevero.com.br

ERIC GORSKI - The Associated Press | 2008-01-19 08:37:38





Opinião

O evangelho não é uma doutrina de língua, mas de vida. [João Calvino]