A Reforma e o Cristianismo Mediano

Eles reivindicaram a popularização da Bíblia, a reforma ética dos líderes, e a pregação fiel da verdade de Deus.

A REFORMA E O CRISTIANISMO MEDIANO

Jonas é o típico cristão nos seus vinte-e-poucos anos. Freqüenta as atividades de sua igreja e “até” lê a Bíblia uma ou duas vezes por semana. Conhece a galera, diverte-se, e se sente bem com o seu cristianismo. Quando perguntado sobre as bases de sua crença, Jonas vacila. Ele não sabe bem o que é a tal da “justificação pela fé”, embora saiba dizer que “tem algo a ver com a morte de Jesus”. A regeneração é um termo pouco usado, e por isso quase não possui significado para ele. Quando fala da graça ele sabe afirmar que é “favor imerecido”, mas não sabe relacionar isso com o todo de sua vida. No fim das contas, gosta de sua vida religiosa e investe um pouco nela, mas apenas quando tem tempo para isso. Perguntado sobre a história da Igreja, a coisa complica ainda mais. Faz aquela careta de quem não sabe o que dizer, e afirma: “eu sei que Lutero rompeu com a Igreja Católica, e que Calvino era meio que um ditador em Genebra”. Algo bom disso tudo é perceber que ele lembrou exatamente da Reforma Protestante. A parte ruim é que existem vários preconceitos sobre este movimento que encontram abrigo na cabeça de muitos jovens cristãos. Jonas acertou em lembrar a Reforma como evento importante na história da Igreja, mas não “faz idéia” da relação que existe entre o despertamento do século XVI, as doutrinas acima mencionadas, e a vida cristã na contemporaneidade.

APRESENTANDO A REFORMA

Muitos pensam que Lutero surgiu “do nada” e fez uma revolução eclesiástica. Não é verdade. Se prestarmos atenção, Deus sempre preservou a Sua Igreja, como prometeu Jesus. No entanto, enquanto as massas e muitos líderes se perdiam teológica e eticamente, Deus levantava vozes proféticas para chamá-las ao arrependimento. Foi assim que homens como John Wycliffe, Jerônimo Savonarola e John Huss surgiram no contexto europeu. Eles reivindicavam a popularização da Bíblia, a reforma ética dos líderes, e a pregação fiel da verdade de Deus. Ao mesmo tempo que a sua pregação agregava seguidores, a população geral percebia as incoerências de muitos líderes da igreja naquele tempo. Isso fez nascer um senso de insatisfação e revolta crescente no meio do povo. E, finalmente, Lutero surge.

Ele não queria ser revolucionário ou coisa parecida. Desejava, após muita luta interna com a
Bíblia, que a Palavra de Deus fosse o padrão para a Igreja. Isso demandaria uma série de
transformações. Ainda assim, era à sua igreja que ele falava. A sua voz era proclamada em protesto de amor diante daqueles que se afastavam cada vez mais de Deus. Ele foi expulso da igreja, e passou a ser reconhecido como líder de um novo movimento.

Enquanto Lutero protestava na Alemanha, Zuínglio fazia o mesmo na Suíça. Sua teologia era muito semelhante à do primeiro, exceto por questões relacionadas à cerimônia da ceia do Senhor. O espírito da Reforma estava tomando conta da Europa. Não demorou até que muitos aderissem à causa dos reformadores, e surgissem novos líderes, como Guilherme Farel, João Calvino, Martin Bucer e John Knox.

Muitos, literalmente, “deram o sangue” pelo Evangelho. Entregaram suas vidas por Jesus e pela
mensagem salvadora. Eles não se contentavam com um cristianismo mediano – queriam vivê-lo em sua integralidade. A Reforma impactou o seu contexto de tal maneira, que mesmo continentes mais distantes e recém-descobertos, como as Américas, sofreram a sua influência.
Mas o que os levava a um engajamento cultural tão intenso? O que fazia os reformados viverem com tanto amor o seu cristianismo?
Muitas são as respostas possíveis, mas cinco pontos merecem destaque:

SOLA SCRIPTURA

Os cristãos daquele período caminhavam sob a máxima do “Somente as Escrituras”. Isso significa dizer que a autoridade última sobre a vida do cristão é a Palavra escrita de Deus. Ela determina o que devemos crer, e como devemos viver. Tudo o que nos for apresentado como verdade, mas for contrário à Bíblia, deve ser rejeitado e considerado falso, implica tal pensamento. A lógica é simples: se a Bíblia é a Palavra de Deus, e Ele é perfeito, segue-se que a Sua Palavra é perfeita (como Ela afirma). Desta maneira, é suficiente para regular a vida do cristão em seu relacionamento com Deus, consigo, com o próximo, e com o mundo.
Tudo deve estar submetido à autoridade da Escritura, e, mesmo em situações nas quais Ela não manifesta abertamente a vontade de Deus, existem princípios a serem aplicados. Assim o cristianismo da Reforma ganha força cultural – brota do poder que vem da Palavra de Deus.

SOLA GRATIA

O “Somente pela graça” ensina que a salvação do homem é dada por Deus sem qualquer mérito
humano. Deus decidiu abençoar o Seu povo sem que este fizesse algo para merecer.
O ensino da Reforma, acompanhando o que a Bíblia demonstra, indica que não apenas o homem deixou de fazer algo para merecer a salvação – ele é completamente incapaz de fazer qualquer coisa. A salvação somente pela graça exclui a participação humana, e demonstra a iniciativa de Deus em produzir o bem para seres pequenos, frágeis, incapazes e pecadores. Na prática, isso transformou pecadores arrogantes em homens humildes, conhecedores de sua maldade, de suas limitações, e do amor de Jesus. Pessoas assim se relacionam melhor umas com as outras.

SOLA FIDE

“Somente pela fé”, diz esta máxima. Alinhada ao princípio anterior, que revelou o desmerecimento do homem diante das ações de Deus, este princípio anula o papel das (boas) obras na salvação humana. Alguém poderia argumentar que nunca fez mal a ninguém, foi caridoso, ajudou aos pobres, e, portanto, merece “ir para o céu”. O Sola Fide ensinado pelo cristianismo da Reforma demonstra a realidade de que as nossas obras são insuficientes para satisfazer a justiça de Deus. Nós recebemos as Suas bênçãos única e exclusivamente pela fé. Na prática, isso libertou os cristãos de tentarem “comprar” a salvação de Deus pagando as famigeradas indulgências, ou fazendo outros sacrifícios. Isso libertou os cristãos para experimentarem alegria com base em uma fé viva, que recebe passivamente aquilo que foi conquistado para os filhos de Deus.

SOLUS CHRISTUS

A fé, no entanto, não pode ser vazia. “Não basta ter apenas fé, é preciso crer na Pessoa certa”, diriam os cristãos do período da Reforma. O “Somente por Cristo” ensina esta premissa.
Cristo é o único caminho para o Pai, o exclusivo Salvador, e o Mediador entre Deus e os homens. Somente Ele cumpriu perfeitamente a justiça Divina em sua encarnação, vida perfeita, morte e ressurreição, garantindo para o Seu povo as bençãos da graça. Desta maneira, a fé do cristão deve ser voltada somente para o Senhor Jesus. Na prática, isso revela um caráter centrado em Deus. O cristianismo da Reforma estava voltado para Jesus, e O considerava em todas as coisas.

SOLI DEO GLORIA

Como conseqüência dos pontos anteriores – uma vida pautada na Bíblia, com o reconhecimento da graça de Deus, vivendo a justiça que vem da fé, e crendo unicamente em Jesus para a Salvação – surge o “somente para a glória de Deus”. Para o cristianismo da reforma, nenhuma área da existência humana deve estar fora deste propósito, pois para isso existimos. Na prática, mesmo as áreas consideradas “menos religiosas” são pensadas dentro de uma visão de mundo cristã. As artes, a ciência, a família, a política, o lazer, a religião, etc. - nada foge ao reinado absoluto de Deus. Isso permitiu que os cristãos vivessem a realidade da fé cristã em cada aspecto, não restringindo a sua vida com Deus ao domingo, ou aos “momentos de devocional”.

A REFORMA EM NOSSOS DIAS

O “barato” desses princípios é que eles são tão aplicáveis hoje, como eram no século XVI. Assim como produziram cristãos convictos e firmes – nada medíocres –, tais máximas podem “sacudir” pessoas como o Jonas e outras dúzias de crentes “mais ou menos” de nossas igrejas, despertando-os para a intensidade da vida com Deus. A Reforma completa 492 anos no dia 31 de Outubro de 2009. Que tal não esquecermos esta data, e a utilizarmos como um marco para a mudança em nossa postura, abandonando o cristianismo mediado, e entregando-nos à força da vida com Deus?




AJR – Aliança Jovem Reformada - jovemref.blogspot.com | 2009-10-30 12:28:56





Opinião

O evangelho não é uma doutrina de língua, mas de vida. [João Calvino]