A
lágrima
Encontraram-se
um dia, uma lágrima, uma estrela, uma pérola
e uma gota de orvalho. Falou primeiro a estrela:
-
Quem diria que eu tivesse o trabalho de descer
das alturas luminosas, para vir conversar com
vocês três? Não
sabem que sou mais alta que as nuvens? E
que a minha altivez fulgura entre mil chamas radiosas,
na infinita amplidão?
Mas,
respondeu a pérola vaidosa:
-
Quem te dará valor, entre milhões
de lâmpadas no espaço? Tu
não passas de um grão de esplendor,
metido na poeira do infinito. Ninguém
se lembra de te por nos braços! Enquanto
eu, lá no fundo dos oceanos, sou buscada
e vendida aos soberanos, para enfeitar, com minha
limpidez, as coroas dos reis! Vivo no colo esplêndido
dos nobres, e nos ricos seios das rainhas... Não
como ti, que sob o olhar dos pobres poetas vagabundos
te encaminhas... Valho
mais que tu! E ainda mais valho que um orvalho
e uma lágrima, pois ambos são gotas
d'água, sem o mínimo valor.
Disse
o orvalho, com mágoa:
-
Qual de vocês três, tem esse encanto
de se transformar em gozo, na boca imaculada de
uma flor? Eu
venho lá de cima, radiante, nos braços
da alvorada, cobrir de beijos uma rosa, que se
sente tão doce nesse instante, que vale
a pena vê-la tão ditosa! E
trago o riso ao coração da Terra,
engolfada em pranto. Eis
como sou feliz! Na campina,ou no cimo da serra,
sou sempre uma esperança cristalina, nos
lábios sorridentes de uma flor! Calou-se
o orvalho.
E
a lágrima? Coitada, esta nada dizia...
-
E que respondes tu? Perguntaram os demais.
E
ela, rolada na terra úmida e fria, nada
ousava falar... Porém,
sublime e calma, respondeu:
-
Eu sou o perdão no crime e a vibração
no amor! Bailo
no olhar risonho da alegria, moro no olhar tristíssimo
da dor! Eu sou a alma da saudade e da harmonia!
Sou
o estrilo na lira soluçante dos poetas,
sou oração no peito dos ascetas,
sou relíquia de mãe em coração
de filho, sou lembrança de filho em coração
de mãe! Não
vivo nos seios perfumosos, nos colos orgulhosos,
na ostentação efêmera do luxo...
Porém,
penetro no espírito do mundo, seja do rei,
do sábio mais profundo, do rústico
mais vil... do pecador, do santo, até na
face do Senhor um dia já rolei... Eu,
lágrima pequena, penetrei no coração
de Deus, e fiz estremecer, abrir-se extasiado
o pórtico dos céus! Não
sei quantos pecados já lavei! A lágrima
calou-se humildemente, deslumbrando...
Em
silêncio, a tudo contemplou serenamente,
na vastidão vazia...
A
estrela se ocultou atrás de uma nuvem e
chorava...
A
pérola desceu à profundeza dos mares
e chorava também...
O
orvalho tremulando sobre a relva também
chorava...
E
a lágrima, só a lágrima sorria!...
Autor:
desconhecido
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