Serelepe
e o touro premiado
Da
próxima vez que você for
à igreja contra minha vontade,
eu lhe esfolo as costas, rugiu o Sr. Valdir
enquanto Tomás escutava calado.
Agora lhe darei uma boa surra. O Sr. Valdir
estava com o rosto vermelho de raiva,
e seus dentes rangiam ao castigar Tomás.
Este
permaneceu ereto, com os ombros erguidos,
e sem uma palavra de protesto ou grito
de dor, sofreu o castigo que o padrasto
lhe aplicou.
E se você for outra vez, disse-lhe
o padrasto ao terminar, prometo matar
este seu cachorro vira-lata. Não
sei por que já não o fiz
há mais tempo!
Naquela
noite, quando a lua surgia por de trás
dos pinheiros, Tomás, acompanhado
de seu cachorro Serelepe, que o seguia
quase lhe tocando os calcanhares, saiu
silenciosamente da grande fazenda e se
dirigiu a um monte de palha onde costumava
orar sobre questões importantes.
Ajoelhou-se
na palha e tomou o pequeno cão
pardo nos braços.
Querido Jesus, orou ele, tu sabes que
antes de mamãe morrer eu lhe prometi
que sempre iria a igreja, e não
posso quebrar minha promessa .
As lágrimas rolavam por sua face
e lhe salpicavam as mãos.
Por
favor, salva o meu cachorrinho, e salva
o meu padrasto também.
Ao chegar o sábado o menino foi
novamente às escondidas para a
igreja. Durante o culto Serelepe esperou
pacientemente em seu lugar habitual, junto
à escada.
Após
o serviço divino, Tomás
foi a casa do ancião da igreja
que o havia convidado para almoçar.
Mas logo depois voltou para casa com Serelepe.
Eles deviam estar ali o quanto antes a
fim de ajudar nas tarefas da tarde.
De
cabeça baixa, Tomás cruzou
o campo e se dirigiu para os estábulos.
Tinha o coração opresso.
De repente Serelepe latiu de maneira estranha.
Tomás ergueu a cabeça e
viu que o touro premiado de seu padrasto
vinha correndo em sua direção.
O coração pereceu-lhe saltar
e comprimir-se na garganta.
Tomás
correu em direção à
cerca, mas antes que pudesse chegar lá,
o touro já lhe alcançava
os calcanhares. Olhando por sobre o ombro,
viu que o animal baixava a cabeça
para dar-lhe uma investida. Mas nesse
mesmo instante viu um vulto pardo lançando-se
sobre a cabeça agachada do touro.
Os dentes brancos de Serelepe brilhavam
à luz do sol e se cravaram no pescoço
do furioso animal. Mas enfurecido ainda,
o touro se deteve por um momento. Mas
em seguida, com um movimento brusco da
cabeça, lançou Serelepe
ao chão. E antes que o cachorro
pudesse levantar-se, o touro já
estava novamente perseguindo o menino.
Tomás
pulou a cerca num abrir e fechar de olhos.
O animal se arrojou com toda a força
contra a cerca de arame farpado e rebentou-ª
de nova se aproximou de Tomás,
e uma vez mais Serelepe veio ao seu auxilio.
Desta vez seus dentes puderam morder melhor
o touro. Tomás, porém, já
não podia correr mais longe. Havia
chegado aos galpões e se encontrava
entre dois grandes montões de palha.
A luta se tornou feroz entre o enorme
touro e o enraivecido cachorro.
Cego
de raiva, e também pelo sangue
que lhe salpicava os olhos devido aos
vários arranhões produzidos
pelo arame farpado na cabeça, pescoço
e lombo, o touro tropeçou em alguns
arados velhos e caiu. Uma relha afiada
do arado feriu-lhe o lado e o manteve
no chão. Serelepe, ferido, levantou-se
em três patas, a quarta pendia inutilmente,
mas o cão manteve-se bravamente
entre seu dono e o touro.
Tudo
isto constituía um terrível
pesadelo para Tomás, que ficou
ainda mais horrorizado ao ver que seu
padrasto vinha correndo com um revolver
na mão.
Vou
ensinar este cachorro a meter-se com meu
touro de raça, gritou o Sr. Valdir.
E sem esperar a fim de chegar mais perto,
ergueu o revolver à altura do ombro
e disparou um tiro. O pobre cãozinho
soltou um grito de dor, e suas patas se
arrastaram tremendo, debaixo dele. Agora
estava com duas patas inutilizadas. Tomás
correu para ele tomou-o em seus braços
e, apertando-o contra sua camisa branca,
enfrentou o padrasto.
Larga
o cachorro no chão!, ordenou o
Sr. Valdir. Só lhe quebrei a pata,
mas da próxima vez farei melhor
pontaria.
Não
vou deixa-lo, e o senhor não vai
mata-lo. Ele me salvou a vida.
O tom de voz do menino e seu olhar chamaram
a atenção do padrasto.
Quando
percebeu o que havia acontecido, deixou
o menino em paz e voltou a atenção
para o touro.
Enquanto
isso, Tomás levou Serelepe para
um monte de palha e ali fez o que pôde.
Correu até a casa e buscou panos
e talas a fim de imobilizar as patas quebradas
do cão.
Uma
semana se passou, e novamente Tomás
devia cumprir a promessa feita a sua mãe.
Mas se fosse à igreja, teria de
deixar Serelepe em casa. E temia que durante
sua ausência o Sr. Valdir encontrasse
o cão e o matasse.
Parecia
que uma voz lhe dizia: "que diferença
faz um sábado ou dois? Poderás
ir à igreja quando Serelepe melhorar,
tua mão não exigiria que
cumprisses tua promessa em tais circunstâncias".
Mas
outra voz também parecia murmurar-lhe:
"há caminho, que parece direito
ao homem, mas afinal são caminhos
de morte".
Tomás
cumprir a promessa feita à mãe.
Ajoelhou-se e pediu a Deus que cuidasse
de seu cãozinho.
-
Vais à igreja hoje de manhã?
Perguntou o Sr. Valdir enquanto o garoto
tomava o desjejum.
-
Sim, senhor, respondeu ele sem erguer
os olhos.
-
E não tens medo de deixar Serelepe?
Indagou o padrasto procurando observar
a fisionomia do rapaz.
-
Tenho de deixa-lo, respondeu o menino
com os lábios trementes. Não
posso carrega-lo tão longe.
-
Se não te incomodares posso ir
contigo. Podemos atrelar o cavalo à
charrete e então poderás
levar Serelepe nos braços enquanto
dirijo, sugeriu o Sr. Valdir.
Tomás
não podia crer no que ouvia. Ergueu
os olhos e viu que o padrasto lhe sorria.
Saiu imediatamente da mesa, quase de um
salto, e foi para o lugar onde estava
Serelepe. Ali se ajoelhou e orou agradecido
ao Pai Celestial.
Na
hora do sermão Tomás sentou-se
junto ao padrasto. Mas de uma vez olhou-o
de relance para ter certeza de que isto
tudo não era um sonho.
Quando
terminou o sermão, o organista
tocou uma música suave, e o pastor
disse: "talvez haja alguém
aqui que ainda não tenha entregado
o seu coração para Jesus".
Se houver, gostaria de vir à frente
e entregar o coração a Jesus
agora mesmo?"
Um
cachorrinho pardo, com talas nas patas
traseiras, olhava pelo corredor, acomodado
num velho saco. Viu que um homem se ergueu
do assento e caminhou para frente.
O
Sr. Valdir tinha fama de ser incrédulo
e cruel, e quando se levantou, atendendo
ao apelo, Tomás e muitos outros
choraram de alegria. Quando lhe perguntaram
o que o havia motivado a tomar a tal decisão,
respondeu: Foi pelo amor que este cachorro
demonstrou a Tomás, e pelo amor
de Tomás para com seu cão.
E também pela fidelidade deste
menino a Deus, e por suas orações
por mim. Isto tudo é mais do que
um homem pode suportar. Alegro-me porque
meu menino cumpriu a promessa feita a
sua mãe.
Autor:
Orval
Garnes
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