Um símbolo do movimento das igrejas clandestinas na China.

"Na prisão todos estão geralmente de mau humor. Qualquer coisa pode agitar os prisioneiros."



Allan Yuan, um símbolo do movimento das igrejas clandestinas na China, morreu no dia 16 de agosto, em Pequim. Ele estava com 91 anos.

Um pequeno funeral aconteceu hoje. Enquanto Alice, sua esposa, deixava sua casa para ir ao funeral, ela disse com muita paz que seu querido esposo estava finalmente com o Senhor.

Allan sofreu aprisionamentos, oposição e perseguição por muitos anos por causa do seu ministério que gerou frutos incontáveis na China.

“Nossa família já estava preparada para a sua morte”. Disse Alice, que conta com o apoio dos seus seis filhos, sendo que um deles, Yuan Fu Sing, continuará liderando a igreja do pai.

Uma das entrevista feita com o (saudoso missionário Yuan):

Irmão Yun ficou preso durante três anos na China. Após muitos adiamentos pôde finalmente abraçar sua esposa e filhos. Leia a entrevista que ele deu logo após sua libertação.

PA: Durante esses três últimos anos, qual foi a maior preocupação que teve enquanto você esteve separado de sua família?

Y: Durante meu primeiro ano de prisão eu quis muito colocar no papel todas as minhas experiências cristãs, desde o meu nascimento, minha conversão, minha caminhada com o Senhor, meu ministério, até a hora em que fui preso. Mas não havia oportunidade. E quando ouvia comentários sobre minha igreja, também fiquei muito preocupado. Quanto a minha família, me preocupei sobre como meus filhos estavam lidando com seus estudos.

Uma notícia que realmente me encorajou foi saber que minha esposa começou a pregar na igreja enquanto eu estava preso. Antes disso, eu era quem sempre pregava. Isso me trouxe algum conforto e aliviou minha carga na igreja.

Enquanto fazia minhas devocionais diárias, comecei a colocar no papel todos os meus pensamentos e entendimentos das Escrituras, baseado no que Deus tinha me revelado. Só podia fazer referências à Bíblia, já que não tinha nenhum outro material disponível. Terminei meus comentários de Gênesis e I Samuel. Neste ano eu comecei a escrever alguns materiais devocionais baseados no que leio na Bíblia a cada dia.

PA: Você pode contar algumas de suas experiências boas e ruins que aconteceram enquanto estava na prisão e como você lidou com elas?

Y: Na prisão todos estão geralmente de mau humor. Qualquer coisa pode agitar os prisioneiros. No meu primeiro ano fui colocado para amarrar raquetes de badminton (jogo de peteca com raquetes). Esse foi mais difícil que os outros trabalhos que me encarregaram. Eu me vi muito ocupado, saindo do trabalho para comer, para ler, escrever e para dormir e não tinha tempo suficiente para mim. O ano passou muito rápido.

No meu segundo ano supervisionei um grupo de prisioneiros, organizando as atividades deles, me assegurando de que eles tinham cumprido a quota de trabalho, etc. Tínhamos mais de 800 prisioneiros em nosso campo. Havia um, em específico, que dificultava a minha vida porque se recusava a fazer hora extra. Ele influenciava os outros no grupo a fazerem o mesmo. Então decidi confrontá-lo diretamente. Mais tarde, soube que essa pessoa era um parente distante. Ele se recusava a obedecer, então decidi informar meu supervisor porque não podia fazer mais nada em relação àquilo. Meu supervisor me culpou ao invés de achar o erro nele.

Meu coração ficou muito angustiado por causa do tratamento injusto e questionei ao Senhor. Com meu supervisor contra mim, minha vida seria mais difícil. Fui proibido de compartilhar o evangelho na prisão, mas estava determinado a demonstrar Cristo por meio das minhas ações. Entretanto, esse incidente certamente não ajudava. Eu chorei e orei ao Senhor pedindo ajuda. Na segunda vez que eu orei, veio a mim o pensamento de que estar na prisão não deveria restringir meu testemunho. Isso me trouxe paz. Deus me ensinou que, sempre que Ele me permitisse passar por um problema, eu deveria depender dEle para me ajudar a atravessar a situação. Depois disso, estando errado ou não, aprendi a não levar os problemas ao meu supervisor, mas tentava resolvê-los e deixar a questão entre a outra parte e eu. Se não fosse assim, a situação seria desfavorável tanto para o meu supervisor quanto para o prisioneiro com quem eu tinha problemas, e isso também não seria construtivo.

PA: Houve algum desapontamento? Como você superou isso?

Y: Quando eu enfrento desapontamentos, eu os encaro com um coração alegre, não com um coração perturbado. Houve muitos versículos que me ajudaram. Eu podia passar cerca de uma hora lendo a Bíblia diariamente, algumas vezes de manhã, outras vezes à tarde. Freqüentemente, era lendo a Palavra de Deus que eu recebia sabedoria para resolver meus problemas.

Quando fui para a prisão, não me permitiram ficar com a Bíblia, então tinha saudades de lê-la todo dia. Mais tarde, minha esposa me trouxe uma. Lembro de um período quando tinha dificuldade de fazer a tarefa que me tinha sido determinada. Todo mundo conseguia tomar conta de 20 raquetes e eu continuava lutando para terminar dez. Tive que fazer hora extra, mas não conseguia terminar a minha quota. Naquela época, havia uma luz escura em minha cela. Estava bem chateado e procurava encorajamento na Palavra de Deus. Um dia, meu supervisor confiscou a minha Bíblia como punição. Eu sabia que, uma vez confiscada, não poderia tê-la de volta. Eu tentei argumentar gentilmente com ele para me dar a Bíblia de volta, mas ele não me ouviu. Eu implorei dizendo: “você pode fazer qualquer coisa comigo, ou me punir de qualquer outra maneira, mas você não pode tomar a minha Bíblia. Ela é a minha vida. Desde o dia que me tornei cristão ela nunca saiu do meu lado”. Mas eu vi que isso não mexia com ele nem um pouco. Aquela noite eu chorei silenciosamente e orei ao Senhor numa cela com mais de 20 prisioneiros dormindo no chão. Meu supervisor me ouviu chorando e não pôde dormir naquela noite. Depois de três dias ele devolveu a minha Bíblia, mas me puniu de outra maneira.

Outra vez, eu li 2 Coríntios 4: 16-17, versículos que eu freqüentemente tenho pregado, mas dessa vez eles realmente falaram comigo e me deram uma grande força para continuar.


PA: Você foi maltratado enquanto estava na prisão? Por quais razões?

Y: Duas vezes. Uma vez meu supervisou me bateu no rosto por deixar cair um vidro. Eu não o culpei. A segunda vez foi quando um dos presidiários estava sofrendo seriamente de diarréia. Eu contei isso à pessoa que estava encarregada, para que ela pudesse chamar um médico, mas não fizeram nada. Na quarta vez que eu chamei o encarregado, ele veio e me perguntou porque eu estava criando problema. Eu neguei aquela alegação e ele me bateu e eu fui forçado a admitir que era culpa minha. No fim, eu simplesmente admiti ter errado com o propósito de encerrar a questão. Fora esses dois ocorridos, o resto do meu tempo de prisão passou sem muitos problemas.

PA: Houve algum tempo na prisão no qual você sentiu especialmente a graça e a proteção de Deus?

Y: Sim, num incidente em particular. Nesta prisão eu estava sendo tratado até que bem. Aconteceu que um dos oficiais da prisão era um parente distante. Isso fez com que os outros prisioneiros me invejassem, mesmo sendo tratado da mesma forma que todos eram. Então eles tentaram me criar problemas, para eu me prejudicar. Quatro deles tentaram instigar uma luta comigo para que meu bom comportamento fosse comprometido, mas não tiveram sucesso. Depois eles foram transferidos para outra prisão. Eu não sabia dessa conspiração até os outros prisioneiros me contarem.

Em outro incidente, outra pessoa também tentou me provocar, para me fazer perder o controle, então me atrapalhava toda vez que eu ia fazer uma tarefa. A intenção era me pôr numa briga, para que eu pudesse ser transferido para outro lugar. Mas eu não sou do tipo que perde o controle, então não deu certo. Ele também foi transferido para outra prisão no leste.

Houve outra pessoa que também tentou fazer o mesmo, mas não conseguiu. Em vez disso, ele perdeu pontos no sistema de bom comportamento e foi punido sendo transferido para outra prisão.

Eu não sabia dessas tentativas de me prejudicarem até que um dos prisioneiros me contou. Ele disse: “Velho ‘Ning’, você percebeu que todo mundo que tentou te prejudicar terminou sendo transferido?”. Então eu vi a maravilhosa mão de Deus e como ele tinha sido meu escudo. Todos tinham más intenções, mas ninguém conseguiu a minha transferência.

Também agradeço a Deus porque nos muitos anos na prisão eu fui tratado bem e não fui severamente perseguido. Deus também preservou minha saúde. Sempre tive problemas com meu estômago, mesmo antes de ser preso, provavelmente por causa das condições do meu ministério. Na prisão, os prisioneiros estavam sempre ficando doentes por causa das pobres condições. Éramos obrigados a fazer exercícios diários, mas por causa do meu problema no estômago fui dispensado.

PA: Você sentiu que Deus tinha uma tarefa ou um ministério para você ao te mandar para a prisão?

Y: Era nisso que eu pensava quando fui preso – talvez Deus queria que eu compartilasse o Evangelho com os outros presidiários. Mas assim que eu cheguei na prisão, me avisaram claramente: “Você está aqui por causa da sua fé; então não faça nenhuma atividade religiosa aqui. Não fazemos objeções quanto aos seus credos religiosos, mas não iremos permitir que você pregue sobre eles enquanto estiver aqui”.

Entretanto, o Senhor me deu uma oportunidade muito boa enquanto eu estava na prisão.Toda noite os prisioneiros se reuniam de alguma forma. Eu fiz um acordo com o líder da cela, que se eu fizesse bem as minhas tarefas, ele me deixaria ficar com a minha Bíblia. Eu fiz a minha parte e ele manteve a sua palavra. Uma noite o líder me disse: “Nós queremos que você nos conte sobre Jesus nas nossas reuniões noturnas, ninguém vai se opor”. Eu alegremente respondi: “Claro!” e pude compartilhar o Evangelho toda noite por meia hora durante 15 dias, até o chefe da prisão descobrir o que estava acontecendo. Parei de falar sobre Jesus, mas só me deram um aviso. Durante aquele tempo eu falei com eles sobre Deus, a criação, Jesus, o pecado, a salvação, etc.

A maioria dos prisioneiros não era criminosos perigosos e descobri que muitos deles tinham membros da família que eram cristãos. Eles ouviam atentamente quando eu sentava com o grupo. Apesar de não orarmos abertamente, eu os encorajava a orar sempre que enfrentassem problemas. Havia poucos prisioneiros que eram cristãos. Um meu deu a sua Bíblia para dá-la a outros prisioneiros quando saísse da prisão. Havia também um cristão secreto entre os oficiais da prisão, cuja esposa é uma pregadora. De modo geral, eu pude levar de 20 a 30 prisioneiros para Cristo.

PA: Quando você foi repentinamente preso, você ficou bravo com Deus por deixar isso acontecer a você?

Y: Nunca. Eu estava mais ou menos preparado para isso. Em 2002 tive um pequeno desacordo com as autoridades e sempre ensinei minha congregação a estar pronta para sofrer pelo Senhor. Eu acredito que Deus não erra e que tudo acontece de acordo com a Sua vontade.

PA: Como você se sentiu quando soube que sua libertação tinha sido adiada?

Y: Assim que eu soube que seria libertado mais cedo, eu desejei avidamente ser solto. Mas a minha data de libertação foi adiada muitas e muitas vezes e eu fiquei desapontado. No fim, ser solto ou não, não fazia muita diferença para mim.

PA: Agora que você está solto, você sente que tem uma vida diferente?

Y: Exceto por me sentir extremamente cansado depois de uma jornada de 24 horas na volta para casa, com a qual eu não estava acostumado, senti que nada havia mudado muito desde antes de ter ido para prisão. Claro, enquanto estávamos na prisão tínhamos vidas reguladas e não podíamos fazer o que gostávamos sempre que quiséssemos. Por exemplo, foi determinado que tivéssemos arroz apenas quatro vezes por mês e tínhamos um horário fixo a cumprir durante o dia. Agora, de volta para casa, eu tenho a liberdade de fazer o que eu quiser qualquer hora do dia e estamos apenas nós três em casa ao invés de ter muitas pessoas comigo o tempo todo.

PA: Como a sua igreja o encorajou durante esses três anos na prisão?

Y: O maior encorajamento foi as suas constantes orações por mim. Muitos deles, também, vieram me visitar na prisão. Havia alguns, como as senhoras mais idosas, que não sabiam mais que o meu nome, mas que mesmo assim me visitavam na prisão. Eu perdi minha mãe quando jovem, mas as visitas dessas senhoras me fizeram sentir feliz enquanto eu não tinha nenhum amor maternal. Os oficiais da prisão perguntavam como eu poderia ter tantos ”parentes” de diferentes províncias. Sou realmente grato pelo apoio que os membros da minha igreja me apresentaram durante o meu encarceramento.

PA: Que planos ou visão de ministério você tem para o futuro?

Y: No meu coração eu tenho dois planos. Um é de começar pequenos centros de treinamento bíblico em nossa rede, para treinar líderes de igreja. Eu me tornarei um evangelista itinerante. Se não puder realizar o plano de treinamento, eu gostaria de ir para o oeste da China. Apesar de ser um lugar supostamente difícil de se viver e ministrar, eu já tenho ministrado em muitos lugares difíceis, como o sudoeste da China, etc., então eu acredito que vou conseguir trabalhar lá. No final das contas, o desejo do meu coração é me mudar para o oeste da China. Por favor, ore para que eu tenha força para dar continuidade a esses planos.

PA: Como podemos continuar a orar por você, por sua família e por seu ministério?

Y: Primeiro, ore pela proteção de Deus sobre mim em todos os aspectos, para que o meu trabalho possa fluir sem obstáculos. Peça a Deus que me dê força de propósito também.

Sabedoria para minha família. Por favor, orem também pelos meus dois filhos, para que eles não tenham empecilhos para completar seus estudos. Ore para que minha esposa compartilhe os mesmos desejos e visão que eu, para que possamos trabalhar juntos com um coração, como um time.

Pela minha igreja. Agradeça a Deus porque as relações entre os membros são boas. Mas eu gostaria que os líderes e todos os irmãos tivessem um desejo pelo treinamento bíblico e que quisessem ser melhor preparados. Ore para que eles sejam mais comprometidos em servir a Deus diariamente.

PA: Tem mais alguma coisa que você dizer aos seus irmãos e irmãs?

Y: Eu estou sinceramente muito, muito agradecido a todos os irmãos e irmãs porque, desde que fui preso há alguns anos, eles continuaram a orar por mim. Então, em respeito a isso, eu sou especialmente grato. Todos vocês não apenas oraram por mim, mas também oraram pela minha família, bem como apoiaram-na e ao meu ministério. Eu sou profundamente grato a Deus. Por tantos anos, sempre que houve necessidade, a ajuda veio prontamente, sem ter que dizer nenhuma palavra. Apesar do meu trabalho ter sido interrompido nestes últimos anos, esse tipo de apoio não apenas me ajudou, mas aujdou o trabalho de Deus em toda a China. Tantos livros, tantos co-trabalhadores, todos ajudando a construir o ministério. Que Deus se lembre de vocês todos por todo amor e apoio, mesmo sem nos conhecer. Só o amor de Deus pode tornar isso possível.

As visitas de meus irmãos e irmãs sempre me encorajaram grandemente. Sempre que me sentia deprimido e alguém vinha me visitar, meu espírito imediatamente era reanimado. Num dia, um de meus irmãos compartilhou comigo que desde o dia em que fui preso até o dia em que fui solto, os co-trabalhadores não pararam de jejuar e orar por mim a cada mês.

Eu estou realmente muito tocado pelo amor que tem sido mostrado por tantos irmãos e irmãs, tanto na China como no exterior. Este é, sem dúvida, o maravilhoso trabalho de Deus.

- Missão Portas Abertas | 2005-09-18 11:39:41





Opinião

O evangelho não é uma doutrina de língua, mas de vida. [João Calvino]